terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DAS BOAS OBRAS


"É da fé, e de nenhuma outra obra, que recebemos a designação de crentes em Cristo. Esta é a obra primordial, pois todas as outras obras um pagão, judeu, turco ou pecador também pode fazer;"   Pág.103, Obras Selecionadas de Martinho Lutero, Volume II

    Quando se fala em boas obras logo se pensa em agradar ou agradecer a Deus. A maioria das pessoas sente-se desconfortável com a ideia de que Deus não precisa que façamos nada para recebermos suas bênçãos e misericórdia. Vivemos em um mundo onde sempre se deve dar para receber algo em troca. É a lei terrena, onde raramente se ganha presentes sem comemorar alguma data especial. Algo humanamente impossível de compreender é a eternidade e salvação que Deus nos dá através do sacrifício de Cristo, só aceitamos mediante a fé este presente, o maior que poderíamos receber sem merecimento algum e sem nenhuma data especial. 
    Para quem conhece e vive o cristianismo, priorizar as obras é negar a graça de Deus, colocando a ação humana acima da divina, é colocar em xeque todo o plano de Deus com relação à reconciliação dEle com o ser humano. 
    Há os que praticam as boas obras sem dolo, frutos de uma piedade quase infantil e de uma religiosidade herdadas das tradições. Alguns até sabem que não precisam delas, mas sentem uma necessidade imensa de serem solidários para sentirem-se melhores diante de Deus. São capazes de atitudes altruístas e abnegadas, tornam o mundo que as cerca um pouco mais bonito, mais saudável e mais tranquilo, mas se não for fruto de uma fé verdadeira em Cristo essas justiças são como trapos de imundícia diante do Senhor (Is 64.6).
    Há ainda os que as praticam por imposição de doutrina, carregando um fardo muitas vezes pesado demais para carregar, pois o que é feito por obrigação não é consequência do amor verdadeiro, e sim de um amor fingido e forçado. E quantos há que empenham-se em grandes obras, desgastando suas forças, prejudicando suas vidas por um "amor ao próximo"  praticado apenas com o propósito egoísta de salvar-se a si mesmo! São doutrinas diabólicas que escondem a graça de Deus para enaltecer o ser humano, fazendo-o sentir-se o dono do seu próprio destino. 
    Há os hipócritas que precisam mostrar suas obras aos outros para perpetuar suas memórias e sentir seus egos massageados pela admiração alheia. Estes são verdadeiros fariseus, os que se dizem cumpridores dos Mandamentos, como se fosse possível cumpri-los sem a fé em Cristo. Gabam-se de seus grandes feitos, são honestos, corretos e piedosos, oram em público e agradecem a Deus por não serem pecadores. Creem que podem comprar indulgências com dinheiro e influências. Pobres seres enganadores e mascarados que vivem uma grande mentira a respeito de si mesmos. 
    Se as obras não forem decorrentes da fé que Deus deposita em mim, ela é apenas ação humana, proveniente de vários sentimentos como culpa, desejo de alcançar uma bênção, um favor, necessidade de cumprir os Mandamentos ou até mesmo gratidão. Obra cristã não é imposição, é algo natural  que fazemos sem nos dar conta, é realizada com alegria e entusiasmo, fruto de uma relação de comunhão com Deus, relação de amor e gratidão. Quando nos damos conta, já as praticamos, sem qualquer premeditação. São obras imperfeitas porque somos imperfeitos, mas Deus as aceita porque vê Seu Filho nelas, e é Jesus quem as torna agradáveis ao olhos do Pai. 
    Quando penso que minhas obras só são aceitas por Deus através da fé, penso que até o que ofereço a Ele provém dEle, não de mim, pois a fé é a maior obra que Ele me dá. Sendo assim, me dou conta da minha pequenez e insignificância, tentando justificar meus erros e pecados com ações que possam "comprar" o perdão. Essas, sim, são ações minhas, corrompidas e falsas, provenientes de um coração enganado e enganoso. 
    Nada tenho de bom, nada faço de bom, só o que possuo são meus pecados e delitos que me afastam de Deus. Morta eu estava, mas Deus me ressuscita através da fé em Cristo. Não há obra maior do que esta: A fé que me liga ao Pai que parte dEle mesmo, mostrando a mim que nada posso fazer, mas ao mesmo tempo me fazendo experimentar Seu imenso amor e misericórdia. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

OS DOIS TRIBUNAIS

“Pois a Escritura me ensina que Deus instituiu dois tribunais para os seres humanos: um tribunal de justiça para aqueles que ainda estão seguros e orgulhosos e não querem reconhecer nem confessar seu pecado; e um tribunal da graça para as consciências miseráveis e temerosas, que sentem seu pecado e o confessam, ficando aflitas diante do seu juízo e desejando a graça.”

Texto baseado no trecho de um escrito de Martinho Lutero nas Obras Selecionadas volume 5, página 101.

    Estes dois tribunais lembram uma grande avenida de mão única onde caminhamos durante nossa vida, dividida ao meio por uma faixa amarela. No final ela se abre e segue em direções opostas. É preciso caminhar pela justiça para entender a graça e se não passarmos pelo caminho da graça, nossa vida se perde em meio ao legalismo. 
    O tribunal de justiça é instituído para a condenação dos incrédulos, dos que não precisam de Deus e acham que não há pecado ou dos que não possuem escrúpulos e escarnecem das coisas de Deus, têm seus corações petrificados pela arrogância, vivem o momento sem acreditar que possa haver um amanhã. A justiça é também para um outro grande grupo: o dos que ligam o ganho de sua vida eterna às boas ações, ajudam os pobres e necessitados, são honestos, bem intencionados, têm boa conduta e vivem uma vida com ética e moral ilibadas. Respeitam o "sagrado", oferecem sacrifícios, oram todos os dias, possuem uma religião, muitos frequentam uma igreja, mas sequer sabem o significado da palavra Salvação. Quando deitam-se, tentam manter suas consciências tranquilas, mas o vazio que sentem os faz cada vez praticarem mais e mais boas obras. A justiça é para aqueles que vivem sua falsa fé e santidade, irrepreensíveis aos olhos humanos, pessoas que passam suas vidas em estado de absoluta hipocrisia diante de Deus e do próximo. Revestem-se de uma capa de humana perfeição invejável. Instrumentalizam Deus, igualam-se a Ele e orgulham-se de seus feitos.  
    O tribunal da graça é para a salvação, para todo aquele que crê em Cristo, que vive o Evangelho em sua plenitude, mantêm comunhão permanente com Deus. Para aquele que ama seu próximo, tem uma consciência tranquila e a verdadeira fé em Jesus. É para aquele que percebe a dimensão do amor e da misericórdia de Deus, reconhece-se um pecador, sabe que é Cristo, o próprio Deus encarnado quem o reveste da justiça que ser humano nenhum alcança por si só. É para aquele que se arrepende diariamente, pede perdão e tem conhecimento de sua própria miserabilidade e incapacidade diante do juízo de Deus. Mas também é para aquele que tropeça todos os dias, cai frequentemente, levanta-se, sacode a poeira do corpo, enfraquece na esperança e passa a vida ziguezagueando entre uma pista e outra. Também é para o ladrão da cruz, para todo aquele que arrependeu-se no último momento sem ter conhecimento do plano da salvação, para aquele que recebeu o dom da fé verdadeira no último instante. 
    A Escritura também ensina que os dois tribunais foram instituídos para os dois grupos, porque fazemos parte dos dois grupos: Ora recebemos a graça, ora a rejeitamos e passamos para a pista legalista. Somos tão justos quanto pecadores e passamos de um lado para o outro assim como faz o motorista embriagado que perde a lucidez. Muitas vezes nos embriagamos com nossa arrogância e titubeamos entre graça e lei. Quando a consciência (de Cristo) volta, nos dirigimos novamente para o caminho da graça. Somos e seremos assim até nosso último suspiro. Maus por natureza e bons quando Cristo dirige nossas ações. 
    O excesso de justiça nos torna críticos e impiedosos com o próximo e com nós mesmos, esquecemos da misericórdia de Deus e do verdadeiro sentido da cruz. O conhecimento da graça serve para nos deixar confortáveis diante do juízo de Deus ao mesmo tempo que nos torna responsáveis pelo nosso próximo. Ela nos conduz às boas obras como consequência da nossa salvação e passamos a ver a Lei no seu terceiro uso, como regra e manual de vida. Maravilhoso seria se pudéssemos sempre trafegar sobre a faixa amarela, o equilíbrio entre graça e juízo, Lei e Evangelho. Cristo é o equilíbrio.
    Para aquele que, como eu, não cresceu com o conhecimento e o ensino do cristianismo e só o conheceu mais tarde, fica  fácil perceber os dois caminhos: O primeiro, o do desespero, onde tudo depende de mim, uma corrida cega que nunca chega a lugar nenhum. O outro, o da vida, da misericórdia e da esperança. Todavia, se hoje reconheço a graça, foi porque Deus a concedeu. E se a graça é por fé, então só a recebemos se estivermos na fé, fé esta que não está em nós, mas em Cristo. Então, para estarmos no tribunal da graça, dependemos do próprio Jesus, ou seja, da fé que vem dEle, pois no que depender de nós, andamos sempre pelos caminhos da justiça, com uma fé falsa e viciada em boas obras. Para que eu esteja na graça é preciso que Deus me conceda a fé verdadeira no objeto certo, Jesus. 
    Desta forma sigo em frente, tropeçando, caindo e levantando, certa de que, se Deus me concedeu a graça por meio da fé em Jesus, sou mais que vencedora, pois sei que no final do caminho Ele me guiará para o tribunal da graça, onde já fui revestida com o manto da justiça de Cristo. Este consolo é maior do que tudo, pois para quem vivia na escuridão, uma pequena vela acesa é um imenso raio de sol iluminando tudo em frente. É como o cego que, enxergando pela primeira vez, admira cada cor, cada paisagem, cada rosto. Estar sob a graça de Deus é saber que cada dia representa uma luta diferente, mas também um passo a mais rumo à eternidade...

sábado, 23 de julho de 2016

A LEI DO AMOR

1 Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o SENHOR, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisses na terra a que passas para a possuir;
2 Para que temas ao SENHOR, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados.
3 Ouve, pois, ó Israel, e atenta em  os cumprires,  para que bem te suceda,  e muito te multipliques na terra que mana leite e mel, como te disse o SENHOR, Deus de teus pais.
4 Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR.
5 Amarás, pois, O SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força.
6 Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração;
7 tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa , e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.
8 Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos.
9 E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.
Deuteronômio 6.1-9


        A palavra “mandamento” (v. 1) nos deixa desconfortáveis, pois não gostamos de receber ordens por nos sentirmos inferiores. E aqui há uma condição: Se não cumprires as ordens não terás vida prolongada e abençoada! Por três vezes Deus condiciona a bênção ao cumprimento da lei.
     “Inculcar” (v. 6) lembra a água que pinga sobre a rocha por anos a fio e vai mudando a forma da pedra e imprimindo nela um desenho peculiar que o tempo não apaga. Assim Deus queria que se fizesse: Que a Lei fosse, dia após dia, repetida insistentemente para que ficasse “gravada, imprimida” nos corações. E esta Lei nada mais era do que falar de amor. E deveria ser repetida todos os dias, dia e noite, pelo caminho e nos lares para que nunca fosse esquecida. Amar primeiramente ao SENHOR que os tirou da escravidão do Egito, que os sustentou deserto afora e que os guiava a uma terra maravilhosa e fértil. Em várias passagens da Escritura como em Ap 9.4 e em Ez 9.4 fala-se de uma “marca”, um “selo” na testa que diferencia os filhos de Deus dos ímpios. É possível relacionar este selo com a Lei de amor de Deus nos corações. Deus quis dizer que quem O amasse e obedecesse traria consigo uma marca gravada em seus corações para sempre. 
    Todos também deveriam saber que aquela casa servia e obedecia ao SENHOR (v. 9). Suas palavras deveriam sair das casas e andar com os israelitas (v. 8) para que não caísse no esquecimento que Israel pertencia ao SENHOR. 
    Mesmo com tantas recomendações Israel afastava-se do amor de Deus, repelindo a proteção e as bênçãos, tentando provar que a vida sem lei era boa, feliz e que poderia andar com suas próprias pernas, adorando aos deuses que quisessem, cobrindo aquele selo de amor com sua desobediência e dureza.
    Apesar de o texto ter sido escrito há mais de três mil anos é assombrosa a semelhança com nossos dias. Há hoje, na sociedade, uma carência enorme dos mesmos limites impostos por Deus aos israelitas. As famílias estão doentes, pais e filhos não se entendem, as pessoas vivem sem perspectiva ou esperança no amanhã. Ser feliz é a ordenança do mundo. Busca-se esta felicidade a qualquer custo sem efetivamente encontrá-la.
    A sociedade hoje está em busca do “amor” e da felicidade a qualquer preço. A religião está praticamente suprimida da vida das pessoas. O único Deus de Israel foi reduzido ao último Deus. A Palavra dEle não consegue mais perfurar as paredes duras dos corações, lacrados para qualquer alusão a Ele. A teimosia de Israel se repete até os dias de hoje, a humanidade quer ficar livre dos grilhões de um Deus tirano e opressor que condiciona Suas bênçãos à obediência. O “selo do amor” também se escondeu sob a cortina da modernidade e seu significado foi esquecido. 
    Quando Israel se via sob o jugo inimigo lembrava-se da lei e novamente recorria a Deus, em uma sucessiva relação de amor e ódio. Por certo tempo adorava, amava, servia e obedecia ao SENHOR, até novamente se retirar da presença dEle. Assim também nos comportamos muitas vezes, quando achamos que obedecer nos torna frágeis e servidão não cabe mais nos dias de hoje, onde reina a liberdade de conceitos e relacionamentos. Mas quando perdemos o rumo de nossas vidas ou vemos nossos filhos ou queridos perdidos lembramos do selo e tratamos de limpá-lo e exibi-lo, mostrando a Deus que temos a marca impressa em nós e que Ele é o primeiro em nossas vidas. Assim também vivemos em uma relação de amor e ódio com a Lei. Ela é leve quando lembramos da Graça que nos torna justos e nos faz testemunhas da lei do amor, então mostramos nosso sinal, aquele que foi inculcado em nossos corações e nos constrange a falar e meditar na Palavra de Deus dia e noite. Mas esta lei é extremamente pesada quando nos afastamos da cruz que nos guia pelo deserto da nossa vida, pois ficamos sem rumo e expostos às intempéries. 

sábado, 19 de março de 2016

    O amor de Deus é como um iceberg: até ousamos descrever sua superfície, falamos do que vemos e medimos o que nossa visão alcança; mas quando mergulhamos nos deparamos com uma imensidão e profundidade indescritíveis. Podemos nos aproximar dele, até tocá-lo, mas seus mistérios continuam escondidos em seu interior...e o maior de todos os mistérios do amor de Deus não somos capazes de desvendar: Se fazer homem, dar Sua vida em sacrifício e verter Seu sangue sobre a humanidade morta em pecados para devolver o que tínhamos perdido lá no Éden. Que mistério! Que amor! Em nossa arrogância muitas vezes achamos que conhecemos os Seus segredos, mas quando nos deparamos com o milagre da ressurreição nos damos conta de quão pequeninos e ignorantes somos. Ah, o amor maior de todos, o começo e o fim, o grande iceberg divino...podemos perscrutar todo o seu exterior, mas seu íntimo, sua essência, seu propósito, isto só entenderemos na eternidade!